Este artigo pretende ajudar a compreender e a caracterizar a orientação sexual. Não existem respostas definitivas que expliquem a origem das orientações sexuais. Muitas teorias (biológicas, neuro- anatómicas, psicológicas) tem sido avançadas por diversas ciências ao longo das últimas décadas, para as tentar explicar.

Mas será possível encontrar explicações, causas ou origens para um conceito que é complexo, multivariado, flexível, fluído e que pode variar ao longo da vida e que tem tido diversos significados ao longo do tempo?

Provavelmente, a Orientação Sexual será o resultado de uma complexa interacção de factores biológicos, psicológicos, sociais e culturais. Também se têm observado comportamentos homossexuais em quase todas as espécies animais em que se estudou o seu comportamento sexual.

Muitas pessoas já ouviram falar de certos termos relacionados com a orientação sexual. Existem alguns conceitos “populares” que em geral, quase que pretendem “dividir” ou classificar as pessoas segundo algumas categorias. Se bem que por vezes possa ter alguma utilidade algum tipo de classificação, porque nos ajuda a compreender a realidade e a ordena-la, o mais provável é estarmos a simplificar e a reduzir uma infinita complexidade e variedade de pessoas a meras “categorias”.

Muitas vezes ouvimos falar de alguns termos “convencionais” como homossexual, bissexual, heterossexual. Basicamente, homossexual refere-se a alguém com  uma preferência emocional e física por pessoas do mesmo sexo, bissexual à atracção física e emocional por ambos os sexos e heterossexual à atracção física e emocional por pessoas de sexo diferente.

Todavia, estas definições restritas não conseguem explicar, por exemplo,  o porquê de muitos homens e mulheres perfeitamente heterossexuais terem fantasias com pessoas do mesmo sexo ( e vice-versa). Da mesma forma que um homem ou mulher, heterossexuais, possam ter sonhos eróticos ou mesmo apaixonar-se e ter relações sexuais com uma pessoa do mesmo sexo, não deixando de ter a orientação heterossexual.

Além destas definições, é sabido que a orientação pode mudar ao longo da vida e muitas vezes é dinâmica: ela pode variar infinitamente na sua complexidade e vamos ver porquê. Os estudos também demonstram que a orientação sexual não é uma escolha voluntária (Coleman, 1987); este tipo de motivação é algo que transcende a cada indivíduo, pois não é possível mudar “conscientemente” nem através de técnicas psicológicas (na época em que erradamente a ciência e a cultura determinavam como adequado ou normal, apenas a orientação heterossexual). Provavelmente, em alguns países do mundo que ainda punem a homossexualidade, certamente não teríamos aí indivíduos homossexuais, pois não desejariam a pena de morte.

A perspectiva de Kinsey

Em 1948, Kinsey propôs uma forma um pouco mais rigorosa de descrever a orientação sexual, ultrapassando as categorias dicotómicas da época (homossexual/ heterossexual). Para Kinsey, o comportamento sexual podia ser descrito num continuum, numa escala de 0 a 6, onde cada um dos extremos representa um comportamento exclusivamente hetero ou homossexual:

0123456
0. Exclusivamente heterossexual
1. Predominantemente heterossexual e apenas incidentalmente homossexual
2. Predominantemente heterossexual e com experiências homossexuais mais que incidentais
3. Igualmente heterossexual e homossexual
4. Predominantemente homossexual e com experiências heterossexuais mais que incidentais
5. Predominantemente homossexual e apenas incidentalmente heterossexual
6. Exclusivamente homossexual

Mais tarde, em 1978, Bell & Weinberg, adoptaram esta mesma escala de 0-6, mas os indivíduos seriam avaliados segundo o comportamento sexual e segundo as fantasias eróticas.

A perspectiva de Klein

Foi outro autor, Klein (1978, 1980) , quem expandiu a compreensão da orientação sexual, considerando-a dinâmica e multi- variada. Inclui 7 dimensões na composição da orientação sexual. Além disto, para a melhor compreensão da orientação sexual ao longo da vida, ela pode ser descrita em 3 momentos: no presente (os últimos 12 meses), no passado (há mais de 12 meses) e o ideal (que corresponde à intenção real e predição do comportamento futuro do indivíduo).

PassadoPresenteFuturo
1- Atracção sexual: quem acho atraente como parceiro real ou potencial?
2- Comportamento Sexual: quem são os meus parceiros sexuais
3- Fantasias sexuais: sonhos e pensamentos; com quem sonho acordado?
4- Preferência emocional: com quem prefiro estabelecer laços emocionais íntimos
5- Preferência social: com quem prefiro estar nos tempos livres
6- Estilo de Vida
7- Auto-identificação: como me identifico em termos de orientação sexual.

Para Fritz Klein, a complexidade da orientação sexual poderá ser descrita tendo em conta  cada uma destas dimensões e  a variável “tempo”. Para preenchimento da grelha pode-se utilizar a escala de Kinsey citada.

Esta perspectiva mais ampla torna os tradicionais pólos homo/ bissexual obsoletos pois não explicam nem descrevem a complexidade da orientação sexual. Nesta perspectiva, quando é que poderemos considerar alguém heterossexual? Será alguém que sente atracção e desejo sexual por indivíduos de sexo diferente e experimenta sentimentos positivos e de afecto por eles; o indivíduo terá consciência disto e pode-se reconhecer como heterossexual (a sua identidade) e ter relações sexuais de acordo com ela.

Algumas pessoas podem reconhecer algum nível de “bissexualidade” na descrição da sua orientação sexual. Mas mesmo que um indivíduo tenha comportamentos heterossexuais (ou homossexuais) não quer dizer obrigatoriamente que se auto- identifique como heterossexual (ou homossexual). Podem haver comportamentos homossexuais sem que as pessoas se sintam homossexuais tal como pode haver comportamentos heterossexuais sem que a pessoas se sintam heterossexuais.

Alguns autores (Sell, 1997) criticam a escala de Fritz Klein porque a importância relativa de cada dimensão da orientação sexual não foi devidamente investigada ou fundamentada teoricamente. Todavia, Wayson (1983), considera a grelha de Klein um instrumento válido e fiável na avaliação da orientação sexual.

Ainda de referir a concepção de Shively e DeCecco (1977), segundo a qual a identidade sexual tem 4 componentes:

Sexo Biológico: o sexo definido pelos cromossomas/ genética

Identidade de Género: é a convicção de cada indivíduo de ser homem ou mulher, é o género com que cada pessoa se identifica

Papel Sexual Social : pode-se definir pelo conjunto de comportamentos associados com masculinidade e feminilidade, num grupo ou sistema social. As sociedades possuem um sistema sexo e de género, ainda que os componentes e funcionamento deste sistema varie bastante de sociedade para sociedade. Por exemplo, aquilo que era considerado “feminino” há poucos anos atrás (como usar brincos, perfumes ou cremes de beleza), é considerado “masculino” actualmente ou considerado um comportamento aceitável para os homens ( o que seria intolerado há poucos anos).

Orientação Sexual: Preferências emocionais e/ou sexuais em relação a um ou ao outro sexo.

Provavelmente teremos no futuro uma concepção ainda mais vasta e complexa que permita melhorar a compreensão da orientação sexual. As categorias “convencionais” de orientação sexual (homossexual, bissexual, heterossexual) são muito simplistas para compreendermos a diversidade sexual.

Estes conceitos não são estáticos e certamente terão outros significados de acordo com as constantes evoluções das sociedades e das culturas, que interagem na construção das identidades individuais. Outra hipótese é que estas “categorias” de orientações sexuais poderão não fazer sentido e desaparecer, no futuro.

O conceito de homossexualidade só apareceu no XIX, construído pela medicina e deu-lhe um significado preciso, médico. Mas da mesma forma que estes significados das orientações sexuais foram construídos culturalmente, elas poderão ser “desconstruídos” ao longo do tempo. Será que, tendo em conta as infinitas características da identidade de alguém (género, sexo, idade, profissão, origem social, etc) fará algum sentido descrever alguém pela sua orientação sexual? Qual o significado que atribuímos às pessoas devido à sua orientação sexual?

Orientações sexuais lésbicas, gays ou bissexuais não são perturbações mentais. Desde 1973 que a homossexualidade deixou de estar no manual de transtornos mentais (DSM). Os estudos nas últimas décadas não encontraram qualquer relação entre estas orientações e transtornos mentais. Tanto o comportamento heterossexual quanto o comportamento homossexual são aspectos normais da sexualidade humana. Sempre existiram em muitas culturas e épocas históricas diferentes. Relações lésbicas, gays e bissexuais são formas normais de vínculo humano. Não se encontram diferenças no funcionamento psicológico dos indivíduos em função da orientação sexual. O preconceito social e a estigmatização poderão levar a problemas psicólogicos, mas não a orientação em si.

Também não existem mais ou menos homossexuais no presente; o que existe é mais visibilidade para a expressão individual, porque felizmente existe essa liberdade em muitos países ocidentais (e não só). Também não é possível “influenciar” ou mudar a orientação sexual. Ela existe naturalmente, em muitas pessoas, desde o nascimento. Apesar de muitas tentativas, através de pseudoterapias perigosas, de tentar mudar a orientação sexual, ela tende a permanecer como algo estável.

O importante será termos uma concepção das pessoas em que a orientação sexual é simplesmente algo que não aumenta ou reduz o valor de alguém; cada pessoa é exactamente tão respeitável, qualquer que seja a sua orientação sexual, ou cor de pele, altura, credo ou cor do cabelo. A humanidade é caracterizada pela diversidade. 

PARA MAIS INFORMAÇÕES, VER TAMBÉM:

Consequências do  preconceito social exercido contra gays, lésbicas e bissexuais- repercussões psicológicas

Psicoterapia Afirmativa para Gays e Lésbicas

Para saber mais:

Bibliografia Consultada:

Coleman, E. (1990). Toward a synthetic understanding of sexual orientation. In McWhirter, D. P.,Sanders, S. A., and Reinisch, J. M. (eds.), Homosexuality/ Heterosexuality. Concepts of Sexual Orientation, Oxford University Press, New York.

Sell, R. L. (1997). Defining and measuring sexual orientation: A review. Archives of Sexual Behavior, 26, 643-658.

Shively, M. G., and DeCecco, J. P. (1977). Components of sexual identity. J. Homosexuality 3: 41-48.
Última Actualização

https://www.apa.org/topics/lgbtq/orientation

09-julho-2022