A Terapia de Aceitação e Compromisso

19-03-2020

Este texto pretende explicar o que é Terapia de Aceitação e Compromisso- ACT. Todos os dias, num estado consciente, entramos em contato com uma parte do mundo, produzimos interpretações sobre nós, sobre os outros e sobre o mundo. Poderemos tirar conclusões sobre como as situações funcionam, sobre o que podemos esperar dos outros e como podemos criar expectativas mais ou menos atingíveis.

Há uma imensidão de acontecimentos à nossa volta e só conseguimos focar a nossa atenção numa pequena parte dessa “realidade”. Devido aos nossos hábitos, aprendizagens, personalidade e mesmo à genética, ao fazermos esta seleção e interpretação, estamos a criar a “nossa realidade”. Estamos sempre a esculpir a realidade que existe dentro da nossa mente.

Por exemplo, no nosso local de trabalho, podemos encontrar colegas que nos cumprimentam com simpatia genuína, com um sorriso e uma palavra de carinho. Também podemos encontrar colegas de trabalho que nos ignoram quando passam por nós no corredor ou até que realmente demonstram desprezo pela sua expressão facial ou tom de voz. Ao passarmos por esses indivíduos, podemos optar por permitir que nossos pensamentos e sentimentos se concentrem num ou noutro. Se focarmos em quem é caloroso e atencioso, a nossa imagem do nosso local de trabalho será mais fortemente ponderada com carinho. Se nos concentrarmos em quem nos mostra desprezo ou indiferença, a nossa imagem do local de trabalho será mais fortemente ponderada com desprezo e indiferença. O local de trabalho é objetivamente o mesmo. Mas a nossa experiência da realidade é marcadamente diferente. É focando em diferentes aspectos da realidade objetiva que esculpimos na nossa realidade subjetiva.

Do ponto de vista humano, poderão existir dois aspetos da “realidade”: realidade subjetiva ou interna e realidade objetiva ou externa.

Mundo subjectivo e construído

Para a Terapia de Aceitação e Compromisso- ACT, a realidade subjetiva ou interna refere-se à nossa imagem mental da realidade. É realidade do nosso ponto de vista, da nossa perspectiva. (nesse sentido, existem tantas realidades quanto seres pensantes.) Portanto, essa realidade é incompleta e tendenciosa. No entanto, está connosco o tempo todo e, de várias maneiras, influencia nossa vida mais do que a realidade externa. A realidade interna envolve nossas memórias, crenças e expectativas. Inclui fatos como onde nascemos, quem são nossos pais, a formação religiosa e política, as nossas identidades como pais, amigos, trabalhadores, etc. Também inclui julgamentos sobre esses fatos e os sentimentos que acompanham os fatos e os julgamentos armazenados em nossa mente. Por exemplo, podemos estar orgulhosos ou envergonhados pelo fato de sermos altos ou baixos. Vivemos nesta realidade permanentemente e isso afeta nosso bem-estar de maneira determinante.

A realidade objetiva ou externa refere-se aos aspectos da realidade que são observáveis ​​e mensuráveis. Incluem elementos como a taxa de criminalidade no país , quantas pessoas moram consigo, a composição genética , quanto dinheiro tem, as doenças que sofreu e o número de quilómetros da costa perto da sua casa. Embora esses elementos da realidade objetiva pareçam ser mais importantes de certas maneiras, porque parecem menos acessíveis ao seu controle, é importante perceber que eles também são parcialmente maleáveis. Por exemplo, muitos dos elementos indicados acima fornecem um ambiente potencial que pode ser atualizado de várias maneiras. O número de quilómetros da costa da sua cidade é uma medida bastante objetiva. No entanto, a probabilidade de desfrutar de um passeio na água pode ser maior ou menor que a do seu vizinho, dependendo se pensa em se envolver mentalmente nessa atividade e realmente toma as medidas necessárias para fazê-lo. Vocês dois vivem no mesmo ambiente objetivo e no mesmo ambiente potencial, mas podem experimentar ambientes reais muito diferentes.

Na maioria das vezes, as preocupações ou desconfortos internos que experimentamos estão relacionados com algum aspecto da realidade externa. Por outro lado, fatos objetivos não determinam completamente como as nossas vidas serão vividas. É a maneira como reagimos a esses fatos que leva à alegria ou ao desespero, à saúde física e emocional ou à doença e desmoralização.

Para a Terapia de Aceitação e Compromisso- ACT, podemos aprender a viver a melhor vida possível dentro destas realidades. Como não podemos conhecer ou entender toda a realidade, podemos nos concentrar nas partes da realidade que nos afetam diretamente ou na qual podemos ter algum tipo de controlo. Escolhendo o que permitimos entrar na nossa realidade interna e escolhendo quais aspectos de nossa realidade externa realizar, podemos, em certa medida, gerir a nossa realidade pessoal, pois podemos criar uma intenção consciente de aumentar a probabilidade de bons acontecimentos existirem nas nossas vidas.

A TERAPIA DE ACEITAÇÃO E COMPROMISSO

Terapia de Aceitação e Compromisso

A Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) encoraja as pessoas a abraçar os seus pensamentos e sentimentos, em vez de lutar ou se sentirem culpadas por eles.

ACT é um tipo de terapia que visa ajudar os pacientes a aceitar o que está fora de controle e a se comprometer com ações que enriquecem suas vidas (Harris, 2013). É uma intervenção psicológica , sendo uma evolução das terapias cognitivas- comportamentais, testada cientificamente, que utiliza estratégias de aceitação e atenção plena, juntamente com estratégias de compromisso e mudança de comportamento, para aumentar a flexibilidade psicológica. Estes termos podem parecer difíceis, mas a seguir são explicados os principais princípios da terapia de aceitação e compromisso:

  1. Aceitação;
  2. Desfusão Cognitiva;
  3. Estar presente;
  4. Eu como contexto;
  5. Valores;
  6. Ação comprometida.

1- Aceitação  é uma alternativa para o nosso instinto de pensamento que tenta evitar pensar ou sentir algo negativo  ou potencialmente negativo. É a opção ativa de permitir a existência de experiências desagradáveis, sem tentar negá-las ou alterá-las. Pode parecer contraditório, mas quanto mais tentar evitar o sofrimento, mais dor irá sentir. Aceitar não é o objectivo em si, mas é um ponto de partida para acções mais ricas. Por exemplo, se aceitar que está em má forma física, pode começar mais facilmente a correr e a treinar; se estiver a criticar-se ou a evitar olhar-se no espelho, não está a aceitar nem a envolver-se em acções baseadas em valores.

2- Desfusão do Pensamento: Quando estamos num estado de sofrimento, a nossa consciência fica muito ligada e focada no próprio pensamento- parece que há uma fusão com o pensamento. Ao tentar suprimir ou contrariar isto, pode resultar ainda mais a intensidade e frequência do pensamento. A maneira como nos fundimos nos pensamentos indesejáveis reside no fato de que nós acreditamos que nós somos estes pensamentos. Não somos capazes de vê-los de forma um pouco distante (de fora), como é ensinado no mindfulness. Tratamos o pensamento como algo muito importante, que requer toda a nossa atenção, ao ponto de, por vezes, nem mesmo estando muito ocupados, nenhuma atividade consegue fazer com que deixemos de pensar neles. Também é comum considerar este tipo de pensamento como verdades absolutas. Podemos aina nos prender mais ainda a eles, utilizando estratégias pouco eficazes para nos livrar deles.

Desfusão é, portanto, criar um distanciamento do próprio pensamento, é lembrar que ele é uma construção interna dum mundo exterior, são palavras e imagens que estamos a fabricar do mundo à nossa volta, é deixar de estar fundido com o próprio pensamento!

3- Estar presente: ACT promove um contacto não- julgador com os eventos físicos e psicológicos; o objectivo é estar consciente no momento presente (em vez de viajar para um passado ou imaginar um futuro negro). Se estamos mentalmente no momento presente, somos mais flexíveis, responsivos e conscientes das oportunidades de aprendizagem oferecidos pela situação actual.

4. Eu como contexto: frequentemente pensamos no “eu” como algo rígido, estável e constante. Falamos da nossa personalidade, dos nossos hábitos, como se fossem coisas fixas e fazemos o mesmo com os outros, com comentários do género “aquela é vaidosa”; “lá vai o agressivo”. Por outro lado, ninguém é agressivo constantemente, mas já criamos um rótulo para aquela pessoa. O nosso comportamento e dos outros está a decorrer num fluxo, como a água que passa num rio e mesmo as nossas ações não são sempre iguais. Comportamo-nos de uma forma quando estamos tristes, de outra forma quando estamos alegres, de outra quando zangados ou de outra quando estamos irritados ou com sono. Mas criamos rótulos permanentes para algo que é fluido, sem perceber como isso é incorrecto pois generaliza comportamentos particulares. Ou seja , existe um “EU” conceptualizado, que cria rótulos, avaliações, julgamentos sobre a realidade. Por outro lado existe o “EU” como contexto, é o nosso “Eu” que apenas observa os acontecimentos e o nosso pensamento, é um “Eu” intemporal, que se interconecta a um contexto que abraça todas as nossas experiências.

5- Valores– Neste contexto são as qualidades que escolhemos trabalhar em qualquer momento. Todos temos valores, consciente ou inconscientemente, que direcionam nossos passos. No ACT, usamos ferramentas que nos ajudam a viver nossas vidas de acordo com os valores que prezamos.

6- Ação comprometida– O ACT visa ajudar os pacientes a se comprometerem com ações  que ajudarão nos seus objetivos a longo prazo e viverão uma vida consistente com seus valores. Mudanças positivas de comportamento não podem ocorrer sem a consciência de como um determinado comportamento nos afeta.


A terapia de aceitação e compromisso é muito útil para pessoas que se preocupam continuamente, que ruminam, para a depressão e transtorno obsessivo- compulsivo.

Referências:

Harris, R. (2011). Embracing your demons: An overview of Acceptance and Commitment Therapy. Psychotherapy. Retrieved from https://www.psychotherapy.net/article/Acceptance-and-Commitment-Therapy-ACT#section-the-goal-of-act

Para saber mais: