Quando o medo se torna um obstáculo à vida…

Por Fernando Lima Magalhães

O medo sempre desempenhou um papel fundamental na adaptação e na sobrevivência da espécie humana. Se não sentíssemos medo, provavelmente a nossa existência já teria sido posta em causa há muito tempo e a nossa espécie desaparecido. É o medo que nos faz proteger e fugir do perigo ou de situações potencialmente perigosas para a nossa existência ou bem estar. É “normal” sentirmos um medo relativo…Todavia medo não é sinónimo de fobia, pois o medo, até certo grau, é uma adaptação face ao perigo, é uma reacção ou resposta automática, mais ou menos intensa, a um objeto, circunstância, estímulo, onde há uma interpretação e percepção de um perigo real. Os nossos ancestrais viviam na floresta ou savana e precisavam de responder rapidamente a perigos físicos reais (fugir de um animal selvagem), ou de lutar com um inimigo, ou de estar em alerta mental , com o corpo tenso, como se algo fosse acontecer repentinamente (como ser atacado por um predador). Assim, o nosso cérebro emocional está geneticamente “atento” a possíveis perigos, mas no mundo actual, muito mais seguro, continuamos a ter reações que eram úteis num mundo mais primitivo (como o coração a bater rápido antes de uma apresentação em público- a origem desta reação seria para preparar o corpo para correr e fugir, de um perigo físico)

O que são fobias?

Todavia, um medo razoável pode evoluir para uma fobia, que será excessiva, irracional, que não desaparece mas que persiste com o tempo, em relação a um objecto ou a uma situação (ou mesmo apenas pela sua antecipação, por exemplo, pensar que vai ter que voar de avião ou ter de entrar num elevador). Poderá existir uma fobia se tiver as seguintes características:

  • Sentir um medo exagerado e persistente, sobre os estímulos ou situações (por exemplo, medo de avião, elevadores, cobras, cães, hospitais, escrever em público, túneis, usar um wc público, falar em público, medo de mostrar medo aos outros, estar sozinho em casa, críticas, escuro, etc)
  • A situação ou objecto que teme provoca quase sempre uma reação de medo excessivo
  • Evita a situação ou objecto, porque sente um medo bastante desconfortável (Ex: ir pelas escadas, não andar de avião ou com muito sofrimento, evitar conhecer pessoas, fugir de cães, não urinar fora de casa, não assinar documentos em público
  • Este medo é desproporcional em relação ao perigo real (ex: probabilidade de um avião cair: 1 em 3000000)
  • Este medo provoca um sofrimento na vida pessoal ou profissional , (ex: recusar oportunidades de crescimento na empresa ou outras regalias e empregos porque teria de viajar de avião)
  • Duração superior a 6 meses

Por exemplo, se uma pessoa tiver fobia tiver medo de cães, qualquer coisa que faça lembrar um cão, como um som ou uma fotografia, pode provocar medo. Se sair de casa pode começar a imaginar “e se encontar um cão?, e se me morder?, os cães são perigosos porque podem atacar e ferir gravemente”. Ao sair de casa vai-se sentir num estado de alerta, a imaginar um possível encontro com a situação temida, em que pode sentir o coração a bater ou um frio na barriga se ouvir ou imaginar algo parecido com o que receia.

Sintomas das fobias

Quando o fóbico está exposto à situação ou ao objecto temido, dá-se imediatamente uma resposta de ansiedade (por exemplo, pensamentos catastróficos, coração a bater acelaradamente, tremer, apertos no peito, tremer, etc). Como estes sintomas de ansiedade são muito desagradáveis e provocam sofrimento, o fóbico tende a evitar ou a fugir das situações ou objectos que teme.

Há muito tipos diferentes de fobias e os seus diferentes subtipos têm características muito diferenciadas. As fobias são um transtorno bastante frequente na população geral, estimando-se que tenha uma prevalência entre 4,5 a 11,8% (Piccoloto, Pergher, Wainer, 2004). Todavia, só um pequeno número de pessoas procura ajuda psicológica, pois muitos dos fóbicos aprendem a “conviver” ou a “suportar” a (s) sua (s) fobia (s), desenvolvendo formas de evitar o objecto ou situação que temem. Mas esta evitação não resolve o problema e para além disso, implica um sofrimento elevado para a pessoa.

Frequentemente as pessoas que sofrem de fobias podem ser alvo de troça de pessoas à sua volta (amigos, familiares, etc): as pessoas sabem que o medo em questão não tem uma base racional (incluindo o fóbico), mas as dificuldades para superar esse medo são demasiado elevadas para o conseguir sozinho.

Origem das Fobias

Tem sido adiantadas diversas explicações para o aparecimento de fobias. O condicionamento clássico pode ser descrito da seguinte forma: se associar um estímulo incondicionado a um estímulo neutro, este pode adquirir propriedades do primeiro, transformando-se num estímulo condicionado. Para exemplificar esta situação, podemos usar a situação descrita pela primeira vez por Ivan Pavlov:

– Se colocarmos comida (estímulo incondicionado) em frente a um cão, ele vai salivar (resposta incondicionada). Se tocarmos uma campainha (estímulo neutro), imediatamente antes da apresentação de comida (estímulo incondicionado), e se repetirmos este processo de associação, o cão passa a salivar com o tocar da campainha, mesmo sem a comida. Assim, apresentar a campainha (estímulo condicionado) provoca a salivação (resposta condicionada).

Outra explicação para as fobias são os processos de modelagem ou aprendizagem vicária. Isto refere-se à aprendizagem do indivíduo por meio da observação de modelos. Neste sentido, uma pessoa pode aprender padrões de resposta a certos estímulos, a partir da observação de outras pessoas reagindo a tais estímulos. Para Seligman (1971), as fobias podem resultar de uma combinação de aspectos biológicos e de aprendizagem.

Outro factor que pode contribuir para as fobias é a transmissão de informações/ instruções (Rachman). Por exemplo, se forem transmitidas muitas informações negativas em relação a um objecto/ situação, ele pode ganhar propriedades aversivas.

O medo é uma avaliação automática de ameaça iminente ou perigo, enquanto a ansiedade é uma resposta subjetiva mais duradoura.

A ansiedade é uma resposta mais complexa do pensamento (“como será o futro, irá correr mal?”) , das emoções (“apreensão, preocupação, vulnerabilidade”) , da fisiologia (” coração acelarado, corpo tenso”) e do comportamento (“preparar tudo ao pormenor, roer as unhas”) que ocorre quando eventos ou circunstâncias são interpretados como representando ameaças altamente aversivas, incertas e incontroláveis aos nossos interesses vitais.
O medo, então, é o processo cognitivo básico subjacente a todos os transtornos de ansiedade. No entanto
a ansiedade é o estado mais duradouro associado às avaliações de ameaças, e por isso o tratamento da ansiedade tornou-se um grande foco na saúde mental.

O tratamento mais eficaz- A psicoterapia Cognitiva Comportamental

Como vimos, a aprendizagem pode ter um papel importante no desenvolvimento das fobias. Da mesma forma, o medo pode ser desaprendido. Parte do tratamento tem a ver com um contacto repetido do fóbico com aquilo que teme, até que o medo seja desafiado e enfraquecido, acabando com o ciclo vicioso de reforço negativo que mantém os sintomas.

Antes de mais, é preciso compreender o mecanismo de luta ou fuga e de como podemos aprender uma resposta automática de medo. Depois é essencial aprender a aceitar o medo. Isto não significa permanecer com o medo, mas sim deixá-lo sentir sem estar a lutar contra ele, até que ele  se vai reduzindo lentamente. Aprender a gerir correctamente as emoções é muito importante pois a tendência habitual de lutar contra o medo, em geral só o piora. Depois é preciso corrigir todas as formas de erros de pensamento que habitualmente se associam a cada estímulo ou situação. Posteriormente, numa fase final da terapia são usadas técnicas usadas como a dessensibilização sistemática, a modelação, a exposição imaginária, o relaxamento aplicado, etc. Assim, a terapia cognitiva ensina-o a:

  • Reestruturar os seus pensamentos: as pessoas com fobias têm pensamentos catastróficos em relação àquilo que estão a temar (“vou ser trincado por uma cobra; o avião vai cair; ser gozado em público é insuportável, etc) . Além disso, a maioria das pessoas com fobias subestima sua capacidade de lidar com o medo em situações difíceis. A reestruturação cognitiva ensina as pessoas a identificar esses tipos de padrões de pensamentos demasiado negativos, irracionais, extremados (ou corre tudo bem ou tudo mal) e substituí-los por pensamentos mais realistas, que resultam na diminuição da ansiedade e da evitação.
  • Abandonar a necessidade de controlar – ao tentar controlar o medo e a evitar sentir emoções desagradáveis, apenas está a piorar a situação. Precisamos de deixar sentir, para que o medo passe e assim ser ultrapassado.
  • Gerir as emoções desconfortáveis, aprender inteligência funcional- a fobia faz com que acredite em todos os sinais de medo e a levá-los a sério, quando na realidade muito do que sentimos não deve alvo de muita atenção. Ao assumir e aceitar o medo, faz com que pense as emoções de forma mais adaptada, o que reduz o medo. Também é necessário ter crenças positivas sobre as emoções, por exemplo de que ansiedade não pode levar à loucura (pois é diferente de uma psicose) ou de que é inofensiva (não vai provocar danos no seu organismo, apesar de lhe dar sinais que o chamam a atenção).
  • Identificar os comportamentos de segurança e evitação- Estes comportamentos são supersticiosos e fazem a fobia existir- como encostar-se ao elevador, cruzar os dedos, manter o corpo tenso. É importante desaprender estes hábitos.
  • Aprender motivação para a mudança– Por vezes pode-se esquecer dos benefícios em ultrapassar a fobia e ficar preso a hábitos pouco construtivos.
  • Exposição Sistemática: A exposição funciona ajudando as pessoas a planear contato regular e progressivo com o que temem e repetidamente  expondorem-se ao estímulo temido até evocar pouca ou nenhuma ansiedade. Isso funciona usando uma abordagem gradual, na qual o estímulo menos provocador de ansiedade é o ponto de partida. Uma vez que o primeiro estímulo é dominado, a pessoa expõe-se a um estímulo que é um pouco mais desencadeador de medo. Por exemplo, com a fobia de aranha, o ponto de partida pode ser estar a  falar de aranhas, e o próximo passo pode ser olhar para fotos de aranhas.

O tratamento farmacológico “não apresenta um benefício significativo e estável a longo prazo para o tratamento das fobias específicas” (Piccoloto, Pergher, Wainer, 2004), para além do risco de desenvolver dependência de psicofármacos.

Glossário de Fobias

Agorafobia – medo de espaços abertos e/ou com muitas  pessoas, como centros comerciais, praças, jardins, lojas apinhadas, etc. A agorafobia leva ao comportamento de evitação, provocado por lugares ou situações onde seria difícil ou embaraçoso sair ou escapar, caso surja uma crise de pânico ou algum mal estar (metro, transportes públicos, multidões, auto- estrada, caves, etc).

Amaxofobia ­- medo de andar de carro/ conduzir

Astrapefobia -medo de relâmpagos

Atelofobia -­ medo da imperfeição.

Aviofobia ­- medo de viajar de avião.

Ciberfobia -­ medo dos computadores.

Cinofobia- medo de cães

Claustrofobia – medo de lugares fechados, como elevadores, túneis e ambientes pouco ventilados.

Climacofobia -­ medo de escadas.

Eritrofobia- medo de se ruborizar, corar, em frente a outras pessoas

Glossofobia -­ medo de falar em público.

Hipsiofobia ou altofobia -­ medo de altura.

Logofobia- medo das palavras (do que pode dizer-se)

Rupofobia ­- medo de sujidade, de ser contaminado ao tocar objetos ou pessoas.

Tanatofobia- medo patológico da morte

Ver também Ansiedade e Stress

Se considera que tem sintomas de algum tipo de Fobia, que estão a interferir de maneira significativa na sua vida pessoal e profissional, marque a sua consulta.