Conheça alguns dos modelos explicativos mais importantes que a ciência psicológica utiliza para compreender o funcionamento da personalidade e para a intervenção psicológica.
Abordagem Sistémica
Parte da teoria geral dos sistemas e da teoria da comunicação de Watzlawick. É um paradigma que emerge das ciências exactas e fornece uma grelha teórica e prática de compreensão dos sistemas humanos. Nos anos 40, Ludwig von Bertalanffy publicava uma série de princípios válidos para vários sistemas (biológicos, físico- químicos, sociais).
O sistema é uma complexidade organizada em múltiplos elementos que estão em interacção recíproca no seu interior e com o meio. Um sistema pode ser aberto (auto- organização) ou fechado (entropia).
A perspectiva sistémica constitui um bom suporte teórico para a intervenção, especialmente em terapia familiar. Põe em causa uma epistemologia linear, unidireccional e conceptualiza os problemas humanos não num único sentido, mas em função dos contextos donde emergem os problemas. Alarga a perspectiva de intervenção, centrada apenas num sistema pessoal, para uma perspectiva que se centra nos contextos de vida e nas redes de apoio dos sujeitos.
Estes pressupostos foram aplicados sobretudo na terapia familiar.
Modelo Cognitivo- Comportamental
Esta perspectiva teve origem nos trabalhos de Aaron Beck e Albert Ellis. Sugere que as nossas crenças e atribuições desempenham um importante papel no comportamento.
” O que perturba o ser humano não são os factos, mas a interpretação que ele faz dos factos”
Epitectus- Século I
Esta abordagem é historicamente baseada nos princípios da aprendizagem e da psicologia experimental. Centra-se no comportamento observável e não observável (pensamentos), adquiridos através da aprendizagem e do condicionamento no ambiente social.
As terapias cognitivo- comportamentais compartilham alguns pressupostos básicos, ainda que existam diferentes abordagens conceptuais e estratégicas para os diversos transtornos. Há algumas características essenciais no núcleo das terapias cognitivo- comportamentais (Dobson, 2001):
1- A actividade cognitiva influencia o comportamento
2- A actividade cognitiva pode ser monitorada e alterada.
3- O comportamento desejado pode ser influenciado mediante a mudança cognitiva
Esta terapia baseia-se na premissa que uma inter-relação entre cognição, emoção e comportamento é parte integrante do funcionamento psicológico normal. Um acontecimento de vida pode despoletar inúmeras formas de agir, sentir e pensar, mas não é o evento em si que gera as emoções e comportamentos, é o que nós pensamos e interpretamos sobre esse evento.
Outra premissa é que as distorções cognitivas são muito frequentes em diferentes transtornos.
Ao contrário do que sucede com o modelo psicanalista, o material trazido à consulta não é interpretado pelo terapeuta, mas elaborado conjuntamente com o cliente, com o objectivo de identificar, examinar e corrigir as distorções do pensamento que causam sofrimento emocional ao indivíduo.
Albert Ellis centrou-se nas crenças irracionais para lidar com pensamentos e comportamentos problemáticos. Pensamentos como ” toda a gente deve me apreciar”, ” ninguém vai amar alguém tão feio como eu” vão inevitavelmente conduzir á decepção.
Aaron Beck desenvolveu a terapia cognitiva para tratar a depressão e outros problemas. Beck considera que durante o desenvolvimento, as pessoas formulam regras sobre o funcionamento do mundo, que tendem a ser simplistas, rígidas e frequentemente baseadas concepções erróneas.
As abordagens cognitivistas podem-se distinguir em duas tradições:
– Cognitivismo Substantivo Racionalista: centra-se no conteúdo, pensamento interno, mecanicista. (Ellis, Beck, Meichenbaum, D´Zurilla, etc)
– Cognitivismo Construtivista Desenvolvimental: O Construtivismo promulga que o conhecimento e a experiência humana implicam uma proacção activa do sujeito, a importância das emoções e os problemas psicológicos refletem diferenças entre as exigências do ambiente e a capacidade adaptativa do cliente.
Abordagem Construtivista
O Construtivismo é expresso numa ampla gama de perspectivas sobre a experiência humana, tendo sido descrito nos ensinamentos de Lao Tzu (séc 6 a.C.), Buddha (560-477 d.C.) . Os cinco grande temas do construvismo são:
Actividade- A experiência humana envolve uma actividade contínua. Somos participantes activos nas nossas vidas. As nossas escolhas provocam diferenças importantes nas nossas vidas , pois somos agentes activos no mundo.
Ordem- O segundo princípio reconhece que precisamos de ordem. Nós organizamos os nossos mundos e respondemos à ordem dentro dele. Desenvolvemos padrões e criamos significados e fazemos muito disto sem estarmos conscientes. Somos seres de hábitos, em que rapidamente aprendemos uma nova competência que é interiorizada e entra na nossa estrutura de padrões de pensar e sentir. As emoções também são uma força importante na nossa auto-organização, pois definem as nossas percepções, organizam a memória e motivam-nos a um envolvimento activo com a aprendizagem na vida.
Self – Primeiro, organizamo-nos e depois organizamos os nossos mundos. Desde cedo que lutamos para separarmo-nos dos nossos cuidadores e organizarmos a nossa identidade de forma coerente e diferenciada. O corpo e os seus limites torna-se no eixo de organização da experiência. Cada auto- organização é única, e é um processo, pois é uma coerência fluida da perspectiva da qual experienciamos. Ele merge e muda principalmente na relação com os outros.
Social e Simbólico- Muita da ordem que procuramos e o significado que criamos emerge daquilo que sentimos com outras pessoas. Faltam palavras nas nossas linguagens para descrever adequadamente a nossa inclusão social e simbólica. As palavras que lemos são apenas símbolos numa página. Há palavras mais ou menos familiares ou confortáveis e isto depende da nossa história pessoal- reflexões das muitas conexões com pessoas e ideias. Organizamo-nos com e através de laços sociais e sistemas de símbolos.
Desenvolvimento pela vida- Existem ciclos e espirais de experiência, pois procuramos atingir um equilíbrio na vida, que nunca é completamente atingido. Algumas pessoas aproximam-se mais desse equilíbrio do que outras, mas todos falhamos ocasionalmente. O desenvolvimento é um processo pela vida , através de pequenos passos de mudança gradual. Se existirem acontecimentos avassaladores, podemos -nos desorganizar ou ficarmos rígidos, mas podemos tentar nos re-organizar. A terapia construtivista oferece compaixão e esperança que nasce de uma compreensão e esperança na visão poderosa da vida como um processo que se re-organiza a ele próprio.
Abordagem Humanista
Esta abordagem têm as suas origens na filosofia Europeia eno trabalho psicoterapêutico de Victor Frankl, Carl Rogers, Abraham Maslow, Rollo May, Fritz Perls e outros. Rejeitando as assunções básicas das teorias psicodinâmicas e comportamentalista, os humanistas assumem uma abordagem fenomenológica que enfatiza a percepção individual e a experiência. Tende a ver as pessoas como activas, pensadoras, criativas e orientadas para o crescimento. Consideram que as pessoas são basicamente bem intencionadas e que naturalmente lutam pelo crescimento, amor, criatividade e auto- actualização. Em vez de se centrar na influência do passado, os humanistas focam-se no “aqui e agora” ou presente.
Exemplos de Conceitos e Técnicas Humanistas
Empatia- capacidade de ver o mundo a partir da perspectiva da outra pessoa. Transmite a sensação de ser ouvido e compreendido.
Aceitação incondicional- aceitar totalmente os sentimentos e pensamentos do cliente
Auto- actualização- As pessoas tendem a procurar o crescimento e a atingir o seu máximo potencial.
Congruência- O terapeuta manifesta sentimentos autênticos durante a consulta. É uma harmonia entre os sentimentos e as acções.
A terapia centrada no cliente é a perspectiva de Carl Rogers e é um dos exemplos mais clássicos da abordagem humanista. Usa técnicas não directivas como a escuta activa, empatia, congruência e aceitação incondicional. A empatia sincera é necessária para as pessoas se sentirem aceites e compreendidas e para permitir o crescimento.
Abordagem Comportamentalista
O expoente moderno mais importante do behaviorismo foi Skinner (1904-1990), que considerava que o único objecto da psicologia era o comportamento manifesto (observável).
Nesta abordagem, pretende-se manipular e controlar o comportamento através do reforço (quando as pessoas têm o comportamento desejado, aumentando a hipótese da sua ocorrência) e através de castigos (quando as pessoas se comportam de maneira indesejável).
A aprendizagem pode fazer-se por condicionamento clássico, em um estímulo, até aí neutro, é associado com dado motivacionalmente significativo e surge uma resposta.
Ex: Condicionamento Clássico de Pavlov:
Pavlov reparou que os cães salivavam muitas vezes sem razão fisiológica aparente, para que tal acontecesse. O cão aprende uma associação entre o alimento e um sinal casual que precedia o alimento. Pavlov verificou que ao tocar a campainha antes de dar comida ao cão, este começava a salivar quando ouvia a campainha, após alguns ensaios de associação entre campainha e comida- o que originava o reflexo condicionado.
Uma campainha começava a tocar e passado algum tempo, com a campainha ainda a tocar, era fornecido ao animal comida. A sequência campainha- comida foi repetida uma série de vezes. Aos poucos, a quantidade de saliva produzida começou a aumentar logo após a campainha tocar. O cão salivava ao ouvir a campainha, o que não sucedia no início da experiência.
A associação repetida entre o som da campainha (estímulo neutro) e a carne, transformou o estímulo inicialmente neutro (campainha) num estímulo condicionado que agora provocava a salivação sob a forma de um reflexo condicionado.
No condicionamento operante, há um aumento da probabilidade de resposta num determinado meio ambiente devido ao reforço da resposta.
Ex: rato que carrega numa alavanca para obter uma recompensa de comida.
Vários autores duvidaram da capacidade deste “behaviorismo radical” para explicar a complexidade do comportamento humano. As grandes diferenças de personalidade indicam que não é só importante o que as pessoas fazem, mas também o que pensam e esperam (expectativas). Isto levou a uma evolução do comportamentalismo, aceitando conceitos como expectativa e crença. Estes são os teóricos da aprendizagem social, como Albert Bandura e Walter Mischel. Defendem que muitas das diferenças individuais entre os indivíduos são basicamente cognitivas: são os modos diferentes de interpretar o mundo, de pensar e agir sobre ele. Assim, os comportamentos podem ser aprendidos e desenvolvidos pela observação do comportamento dos outros, em vez de ter de realizar esse comportamento ou ser reforçado para um determinado comportamento. Esta abordagem também valoriza o papel das expectativas no desenvolvimento do comportamento. Por exemplo, alguém pode dedicar muito tempo e dinheiro para obter uma licenciatura, porque espera que essa qualificação vá originar uma carreira e vida satisfatórias.
Abordagem Psicodinâmica
Foi fundada com o trabalho de Sigmund Freud. Muitos neo- Freudianos e outros revisionistas fizeram uma grande adaptação, desenvolvimento e mudança na abordagem básica de Freud. Esta abordagem ainda mantém certas concepções sobre o comportamento humano e problemas psicológicos.
Defende que o comportamento humano é influenciado por desejos intra-psíquicos, motivações, conflitos e impulsos. Os mecanismos de defesa do ego (adaptativos ou não), são utilizados para lidar com com conflitos, desejos, necessidades e fantasias não resolvidos, que contribuem para o comportamento normal ou anormal. As experiências precoces na infância desempenham um papel fundamental no desenvolvimento psicológico e no comportamento adulto. A compreensão destas influências inconscientes e a sua discussão e integração nas experiências quotidianas ajuda a melhorar o funcionamento psicológico. A relação de transferência que se desenvolve entre o cliente e o terapeuta também ajuda a melhorar o funcionamento psicológico.
Freud desenvolveu uma compreensão do comportamento humano baseado em três estruturas mentais, que normalmente estão em conflito:
– o Id, desenvolvido à nascença, funciona segundo o princípio do prazer e representa todos os desejos e necessidades mais primitivos. O Id não conhece juízos de valor, moral, ou o bem ou o mal. O Id procura a satisfação imediata sem considerar as circunstâncias da vida real. A nossa energia psíquica básica (líbido) está contida no Id e exprime-se através da redução da tensão. Contudo, para a satisfação das necessidades é preciso interagir com o mundo real. O ego, que é mediador entre o id e o mundo exterior, ajuda nesta interacção.
– o ego, que funciona segundo o princípio da realidade, mantém em suspenso as exigências para o prazer que provêm do id, até que se encontre um objecto apropriado para satisfazer a necessidade e reduzir a tensão. Desenvolve-se cerca do primeiro ano de idade e representa os aspectos racionais e razoáveis da nossa personalidade, ajudando-nos a adaptar a um mundo desafiante.
– o superego, que se desenvolve cerca dos cinco anos de idade, quando são assimiladas as regras de comportamento ensinadas pelos pais, através de um sistema de recompensas e castigos. Representa a internalização de normas e regras sociais, culturais e familiares. O superego inclui o ego ideal (a imagem perfeita do que somos e do que podemos ser) e a nossa consciência (as regras de bons e maus pensamentos e comportamento).
Irá haver um conflito inevitável entre id, ego e superego para lidar com a ansiedade e desconforto e a necessidade de utilizar mecanismos de defesa do ego. O ego está numa posição difícil, pois têm de lidar com forças opostas. Os mecanismos de defesa são estratégias desenvolvidas pelo ego para proteger o indivíduo destes conflitos internos e em geral, inconscientes. Eles ajudam a lidar, adaptativamente ou não, com a inevitável ansiedade de ser humano. Há uma variedade de mecanismos de defesa, como a repressão (manter pensamentos, desejos, sentimentos e conflitos desagradáveis fora da consciência), negação (negar que existem pensamentos ou sentimentos problemáticos), sublimação (substituição de uma meta que não pode ser satisfeita por uma outra socialmente socialmente aceitável), projecção ( a origem da ansiedade é atribuída a outra pessoa).
Freud também definiu vários estádios psicossexuais do desenvolvimento da personalidade. No decorrer destes estádios, as crianças são auto-eróticas ao obter prazer erótico quando estimulam as zonas erógenas do corpo. Cada estádio tende a estar localizado numa determinada zona erógena. Estes incluem as fases oral, anal, fálica, latente e genital.
– O Estádio oral vai desde o nascimento até ao segundo ano de vida. A estimulação da boca (sugar, morder, etc) é a fonte de satisfação erótica.
– No estádio anal, a satisfação vai da boca para o ânus e as crianças têm prazer na zona anal. Nesta fase treinam a higiene pessoal e as crianças podem reter ou expelir fezes.
– No estádio fálico, por volta do quarto ano de idade, a satisfação erótica passa para zona genital, havendo manipulação e exibição dos órgãos genitais. Neste estádio há o desenvolvimento do Complexo de Édipo, em que o rapaz desenvolve um desejo incestuoso e de morte, desejando unir-se à mãe e eliminar o pai. Os medos de retaliação e de castração resultam na repressão destes impulsos e na identificação com o pai.
O objectivo desta abordagem é o insight- compreensão de factores inconscientes que levam a comportamentos e sentimentos problemáticos, através de uma análise aprofundada e cuidadosa do papel de desejos, impulsos e conflitos inconscientes na vida diária.
Técnicas como a associação livre ( dizer tudo o que nos passa pela cabeça) , a análise dos sonhos e a interpretação, são usadas para compreender e tratar vários problemas.
Bibliografia consultada (básica):
Plante, T. (2005) Contemporary Clinical Psychology, 2nd edition. New Jersey: Wiley.