Sintomas da Depressão
Este artigo pretende explicar o que é a depressão, os seus sintomas e tratamento eficaz. A Depressão é caracterizada porsentimentos de tristeza, desalento, pessimismo e uma perda geral de interesse pela vida, combinados com um sentimento de mal estar físico e de incapacidade generalizada. A maioria das pessoas experimenta estes sentimentos como reacção normal a um dado acontecimento (ex: luto). Mas se a depressão ocorrer sem causa aparente ou é demasiado profunda ou persistente, é necessário recorrer a ajuda especializada.
Os sintomas variam com a gravidade da doença. As pessoas deprimidas têm, em geral, uma visão negativa de si próprios, do seu ambiente e do futuro. Percepcionam-se como não tendo valor, inadequados, indesejáveis e deficientes (Young, J.; Beck, A. , Weinberger, A. 1993).
Tipos de Depressão
Transtorno depressivo maior/ major
Este é o subtipo mais conhecido da depressão. É caracterizado pela presença de pelo menos cinco dos seguintes sintomas:
- Humor deprimido;
- perda de interesse ou prazer;
- ganho ou perda acentuada de peso;
- insónia ou cansaço excessivo;
- diminuição da energia;
- sentimentos de culpa e inutilidade;
- agitação ou retardo motor;
- dificuldade de concentração;
- pensamentos suicidas.
Neste tipo de depressão, os sintomas existem durante boa parte do dia e quase todos os dias, por um período de pelo menos seis meses. Esse tipo existe em mais mulheres do que homens e pode ser percebido a partir da adolescência. Os sintomas incluem falta de apetite, dificuldade em dormir, falta de interesse e prazer nas actividades sociais, sensação de cansaço e falta de concentração. Os movimentos e o raciocínio podem tornar-se mais lentos; em alguns casos a pessoa torna-se mais agitada e ansiosa. As pessoas gravemente deprimidas podem ter ideias de morte e/ou suicídio e alimentar sentimentos de culpa e de inutilidade.
Distimia ou Transtorno depressivo persistente (TDP)-
Esta nova classificação inclui o transtorno depressivo maior crónico e o transtorno distímico anterior. A razão para essa mudança é que não havia evidência de diferenças significativas entre essas duas condições. Na distimia existem características típicas: baixa energia e motivação, baixa auto-estima e incapacidade de encontrar satisfação nos afazeres do dia-a-dia. Na forma leve, pode resultar em evitar situações em que possa falhar ou cometer erros; em casos mais severos, a pessoa pode se afastar de toda atividade diária. Geralmente encontram prazer em atividades e passatempos pouco habituais. O diagnóstico de distimia pode ser difícil devido à subtileza dos sintomas e estes podem ser escondidos em situações sociais, tornando difícil para os outros detetarem seus sintomas. Adicionalmente, a distimia ocorre frequentemente junto a outros distúrbios psicológicos, o que acrescenta um nível de complexidade na determinação da presença de distimia, particularmente porque há, geralmente, uma sobreposição dos sintomas dos transtornos
A intensidade dos sintomas pode variar com a altura do dia. Em geral, os deprimidos sentem-se melhor à medida que o dia avança, mas em algumas pessoas os sintomas pioram à noite. Se a depressão não tiver tratamento, os sintomas os sintomas tornam-se cada vez mais evidentes. A pessoa pode retrair-se completamente e passar a maior parte do tempo na cama , isolada de tudo e de todos.
As causas podem ser de vária ordem, desde algumas doenças físicas (infecção viral) ou desordens hormonais. A hereditariedade (genética da família) pode ter o seu papel. Mas além das causas biológicas, são fundamentais os factores sociais, ambientais e relacionais. As crises depressivas estão muito relacionadas com acontecimentos perturbadores (falecimento de ente próximo, desemprego, etc) e com fases críticas do ciclo vital da pessoa (adolescência, maternidade, velhice).
Tratamento da depressão
O tratamento, com terapia cognitivo- comportamental, que realizamos, é muito eficaz para as pessoas cuja personalidade e experiências de vida são a causa principal da doença. A este tipo chamamos depressão reactiva (porque o indivíduo reage a acontecimentos perturbadores). Nestas circunstâncias, a pessoa pode ter uma menor capacidade para lidar eficazmente com situações problemáticas, como a morte de pessoas chegadas, o divórcio ou a separação, a perda do emprego ou problemas graves de saúde. O apoio psicológico é fundamental, que pode variar desde uma abordagem informal ou orientada para a solução dos problemas ou até às abordagens mais estruturadas de uma terapia cognitivo- comportamental, dependendo da personalidade e das problemáticas do indivíduo. É fundamental a escuta activa e empática do psicólogo, onde o indivíduo pode conversar livremente, sem pressões e sem ser julgado. Muitas vezes, o facto de conversar com alguém de confiança assuntos considerados muito perturbadores, pode ser suficiente para o alívio dos sintomas.
Segundo as recomendações da Associação Americana de Psiquiatria, uma combinação de terapia cognitivo- comportamental com medicamentos é mais eficaz do que apenas medicamentos. Esta associação ainda recomenda como tratamento de eleição para a depressão ligeira a moderada, a terapia cognitiva ou esta terapia em conjugação com medicamentos.
O prognóstico é bom em relação à maior parte dos indivíduos, desde que tenham tratamento e vigilância adequados. O principal risco é o suicídio, cuja causa, em mais de 80% dos casos, é a depressão.
Qual a eficácia da “terapia psicológica” que realizamos ?
A eficácia da psicoterapia cognitivo- comportamental tem sido confirmada por muitos estudos nos últimos 20 anos. Os estudos indicam que a predisposição genética contribui apenas 16% para a depressão, e que os acontecimentos de vida são a causa mais importante, para a grande maioria das pessoas.
Os medicamentos são a forma mais comum de tratamento da depressão e há uma crença generalizada que são o tratamento mais eficaz. Mas esta crença não é confirmada por muitos estudos cuidadosamente conduzidos nas últimas décadas. No caso da depressão ligeira a moderada, a terapia psicológica é tão ou mais eficaz que os medicamentos ( William G. Danton, Gurland Y. DeNelsky). A eficácia da terapia cognitivo- comportamental na depressão é notável, sendo mais eficaz que a farmacoterapia (Dobson, 1989).
Infelizmente ainda existe algum preconceito ou relutância em procurar ajuda para problemas emocionais, como a depressão. Os seus sintomas são vistos, habitualmente, como um sinal de fraqueza em vez de um sinal de que algo não está equilibrado e que é um sinal de auto-estima procurar ajuda, em vez de continuar sozinho num ciclo de auto-crítica ou negativismo.
O que faz o psicólogo? Qual o papel da psicologia no tratamento da depressão?
O modelo “cognitivo” da depressão afirma que os nossos pensamentos, crenças, comportamentos e bioquímica são todos componentes importantes dos transtornos depressivos. Cada abordagem de tratamento tem o seu “foco de conveniência”. O médico intervém a nível bioquímico, o psicólogo intervém nos pensamentos, crenças, afectos e comportamento. Quando mudamos os pensamentos depressivos, simultaneamente mudamos o humor, o comportamento e (provavelmente) a bioquímica.
Uma “cognição” refere-se á forma como olhamos as coisas- é a forma como interpretamos o mundo. Nós sentimo-nos mais tristes ou mais felizes em função do que estamos a pensar num determinado momento. As pessoas deprimidas tendem a distorcer a realidade, vendo o mundo de uma forma peculiar. A nossa terapia ajuda a reconhecer e a modificar os padrões de pensamento distorcidos, automáticos e irrealistas e substituir estas formas de pensamento por outras mais realistas e adaptadas à realidade.
A nossa abordagem, com terapia cognitiva- comportamental tem os seguintes objectivos:
– Identificar quais são os problemas da vida que estão a contribuir para a depressão. Identificar opções para o futuro e definir objectivos realistas a atingir, para melhorar o estado emocional.
– Compreender regras, pressupostos, padrões de pensamento que contribuem para um sentimento de depressão. Modificar crenças irracionais e improdutivas.
– Melhorar a autoconsciência e a inteligência emocional, ensinando os clientes a “ler” suas emoções e a distinguir sentimentos saudáveis de sentimentos não saudáveis.
– Ajudar a entender como percepções e pensamentos distorcidos contribuem para sentimentos dolorosos. Aprender técnicas para corrigir o pensamento negativo.
– Identificar as formas distorcidas de pensamento que contribuem para a tristeza e desesperança e transforma-las em perspectivas construtivas e motivadoras.
– Identificar outros padrões de pensamento e de comportamento que contribuam para manter a depressão. (Ex: Frequentemente, as pessoas deprimidas “aprendem” a isolar-se de outras pessoas ou a pensarem em acontecimentos negativos, de forma constante).
– Mudar a maneira de pensar sobre si e sobre o mundo, de forma a motivar para uma realização progressiva de atividades de prazer e de socialização.
– Construir auto- estima e um sentimento de valor pessoal e de auto-aceitação
-Reduzir a procastinação (o adiar sucessivo das tarefas) e o perfecionismo
– Reduzir o sentimento de culpa, vergonha ou necessidade de aprovação
-Aprender competências sociais ou programar actividades de prazer são metas frequentes de tratamento).
– Compreender um sentido de controle da vida e a tirar prazer com as experiências de vida.
-Prevenção de futuros episódios de angústia emocional e desenvolvimento de crescimento pessoal, ajudando a a mudar as crenças fundamentais que estão frequentemente no centro do seu sofrimento.
Em que difere a terapia cognitiva de outros tipos de terapia?
Na terapia cognitiva que realizamos, o terapeuta e o cliente têm um papel ativo, onde são trabalhados por ambos diversos problemas, com recurso a técnicas, estratégias e exercícios que deverá fazer entre as consultas. Enquanto que em alguns tipos de terapia o psicólogo têm um papel pouco ativo, onde o cliente pouco mais faz do que falar, na terapia cognitiva definem-se objetivos e formas de os atingir. Por entre um grande número de técnicas/ estratégias que são utilizadas, por exemplo, o cliente vai registar em folhas de exercícos os “pensamentos disfuncionais” e aumentar a consciência dos padrões de pensamento que utiliza:
– Catastrofização: pensar apenas no pior que pode vir a acontecer, sem ter em consideração outros desfechos possíveis. Acreditar que o que pode acontecer é insuportável, em vez de ver os acontecimentos em perspetiva.
– Filtro Mental: focar-se apenas em acontecimentos negativos e desvalorizar ou ignorar o positivo. Ex. Focar-se numa crítica que recebeu e ignorar e esquecer qualquer elogio. Centrar o pensamento numa pessoa com quem se zangou e esquecer ou desvalorizar os amigos que tem. Dar uma atenção desproporcional às situações de vida.
– Leitura Mental: Acreditar que sabe o que as pessoas pensam, como se estivesse a ler os pensamentos dos outros. Ex. Noto que todas as pessoas pensam mal de mim.
Depois são identificados temas de vida, atitudes, regras ou leituras sobre as pessoas e as situações de vida que em geral mantêm uma visão depressiva. A terapia pode então ensinar competências para lidar com os problemas mais comuns que mantêm a depressão que são:
– Desesperança: Acreditar que nada funciona ou vai funcionar. Aprender a ultrapassar a perda de esperança e pessimismo. Aprender a focar o pensamento no que é útil, eficaz, produtivo e prazeiroso.
– Rotulação: Acreditar que é um perdedor, sem valor. Nesta situação pretende-se gerir o auto- criticismo e reduzir a ruminação dos pensamentos de que fez algo de errado ou que há algo de errado consigo. Ninguém é 100% errado ou 100% perfeito. Todos estamos neste continuum de aprendizagem e imperfeição.
– Perfecionismo, não suportar cometer erros. Aprender a separar a auto-estima do comportamento. O nosso valor não se mede pelo número de erros ou sucessos que atingimos!
– Desmotivação. Não ter energia para fazer nada. Trabalha-se a motivação em consulta e como se pode aumentar gradualmente a energia e o sentimento de estar a fazer algo produtivo.
– Ruminação. Estar constantemente a ruminar sobre o passado, sobre erros ou situações mal- sucedidas. Neste ponto trabalha-se em consulta formas de aceitação de emoções e pensamentos inúteis ( até que se evaporem!) e de focar o pensamanto em atitudes úteis.
– Isolamento. Não suportar estar sozinho (a) e não conseguir manter relações sociais satisfatórias. Talvez o aspecto mais importante na manutenção de bom estado de humor esteja na habilidade de desenvolver e manter boas relações sociais e pessoais.
Os nossos sentimentos são, sem dúvida, influenciados pelos acontecimentos de vida, pela nossa bio-química e por acontecimentos traumáticos do passado. Mas os nossos sentimentos não estão fora do nosso controlo. Podemos aprender a mudar a maneira de pensar e, consequentemente, a maneira de sentir. As mensagens que damos a nós próprios têm um grande impacto nas nossas emoções. A tristeza e depressão resultam muitas vezes de sentimentos de perda, acreditando que perdeu algo de importante para a auto- estima.
As pessoas que ultrapassam a depressão através da psicoterapia têm mais hipóteses de continuar bem e de não terem recaídas, em comparação com aquelas que só foram tratadas com anti-depressivos. Os medicamentos podem ser úteis para alguns indíviduos, especialmente nas depressões mais severas- combinados com a psicoterapia para um máximo efeito. (Burns, D. , 1999)
Bibliografia consultada (essencial):
Alford, B.A., Beck, A.T., The Integrative Power of Cognitive Therapy. The Guilford Press, 1998
Dobson,K.S. et al (2006) Manual de Terapias Cognitivo- comportamentais. Porto Alegre: Artes Médicas.
Fochtmann LJ, Gelenberg AJ: Guideline Watch: Practice Guideline for the Treatment of Patients With Major Depressive Disorder, 2nd Edition. (2005) Arlington, VA: American Psychiatric Association.
Leahy, Robert (2010) Beat the Blues before they beat you. Hay House Inc.
FERNANDO MAGALHÃES: «A DEPRESSÃO APARECE MUITAS VEZES DE FORMA LENTA E DESPERCEBIDA»
(Entrevista para a Mood Magazine sobre a depressão)
A depressão é o tema em destaque este ano no Dia Mundial da Saúde, assinalado a 7 de abril, para ressaltar o peso desta doença que afeta 350 milhões de pessoas, de todas as idades e condições sociais, em todo o mundo. Mas o que á afinal a depressão? Como se trata e se previne? Fernando Magalhães, psicólogo clínico e especialista em terapia cognitiva comportamental, desvenda-nos a realidade por detrás da depressão.
7 abril, 2017
O que é verdadeiramente uma depressão?
A depressão é constituída por uma série de pensamentos, comportamentos, sentimentos e experiências: é um estado persistente, que dure há mais de seis meses, de uma visão negativa de nós próprios e do mundo em geral, perda de esperança no presente e no futuro, de ideias desmoralizantes e autocríticas, sentimentos de inutilidade, culpa e vazio, incapacidade de tirar prazer no presente, ideações sobre suicídio ou morte e sentir que estes sintomas negativos são incontroláveis e credíveis, mas que ocupam a maior parte do pensamento. Isto leva a sintomas físicos de perda de energia, fadiga, desmotivação, sono alterado, ganho ou perda de peso e reduzem a capacidade de trabalho ou estudo.
Apesar das causas que ocasionam a depressão serem muito vastas, quais são as principais?
As principais causas são os acontecimentos negativos como o desemprego, divórcio, isolamento social, falta de apoio social, falta de amigos e solidão, sentir preocupações e pressões excessivas, problemas financeiros e de saúde, uma predisposição para os padrões de pensamento negativos como catastrofizar, ser pessimista, crítico, perfecionista, bem como alguma predisposição genética ou biológica.
Quais são os principais sinais que comprovam um quadro de depressão?
Existem várias formas de classificar e avaliar a depressão, de acordo com a duração, sintomas, fatores, e até difere de acordo com os autores e os manuais de classificação. Devem existir cinco ou mais dos sintomas seguintes durante um mínimo de duas semanas e que representam alterações no funcionamento da pessoa, e pelo menos um dos sintomas será o humor deprimido ou perda de interesse ou prazer.
– Existir um humor deprimido na maioria dos dias e quase todos os dias (sentir-se vazio triste ou sem esperança)
– Grande diminuição do prazer ou interesse em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias
– Perder ou ganhar de peso de forma acentuada sem estar em dieta ou aumento ou diminuição de apetite quase todos os dias
– Dormir demais ou pouco quase todos os dias
– Agitação ou lentidão psicomotora quase todos os dias
– Fadiga e perda de energia quase todos os dias
– Sentimento de inutilidade ou culpa excessiva quase todos os dias
– Menor capacidade de pensar ou concentrar-se ou indecisão, quase todos os dias
– Pensamentos sobre a morte frequentes (não apenas medo de morrer), pensar em suicídio de forma frequente sem um plano específico, ou tentativa de suicídio ou plano específico de cometer suicídio.
Estes sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
A que tipo de profissional se deve recorrer nestes casos?
Como a depressão tem muitas formas, causas e manifestações, não há uma fórmula ideal para toda a gente e a maneira de a ultrapassar será muito variável. A combinação da ajuda de um psicólogo e psiquiatra funciona muitas vezes, complementando um tipo de terapia cognitivo comportamental ou terapia interpessoal com algum tipo de antidepressivo. Outras abordagens complementares como o mindfulness e aceitação plena costumam ser muito úteis.
Como se distingue a depressão de um estado de profunda tristeza, decorrente, por exemplo, de um luto, desemprego prolongado ou estado de saúde?
A depressão clínica distingue-se pela duração e intensidade dos sintomas, que altera o pensamento, a emoção e comportamento, de uma forma que se torna crónica, pelo que pode nem haver um motivo para ela existir e a pessoa ter uma vida “boa” por quem vê de fora, mas ela mesmo assim sente-se horrível. O pensamento depressivo generaliza-se para todas as situações, em que suga a energia e retira o prazer das situações. A tristeza é uma reação normal a um acontecimento negativo, desafiante, desmoralizante ou difícil, mas que desaparece ao fim de algum tempo.
Os portugueses são um povo deprimido?
Existem vários indicadores, como a venda de antidepressivos e uma série de estudos da Direção Geral de Saúde, que indicam que uma boa percentagem dos portugueses tem um humor deprimido, que a crise económica veio agravar, mas também uma evolução positiva de bons hábitos, em que cada vez mais pessoas fazem desporto e participam em atividades ao ar livre ou socializam em feiras e encontros. Acredito que fatores culturais, como a tendência à vitimização ou culpabilização, a religião e a baixa escolaridade média, bem como hábitos de um certo individualismo, a corrupção e a desigualdade na distribuição da riqueza serão fatores importantes.
O isolacionismo, individualismo que se vive hoje em dia, apesar das redes sociais, pode agravar sintomas de depressão?
A nossa cultura individualista e narcisista levou a uma perda nas ligações sociais, com uma percentagem cada vez maior de pessoas a morarem sozinhas e a fazerem cada menos parte da comunidade ou de associações e sindicatos. É um contexto muito potenciador da depressão. A necessidade de integração social e de sentido de pertença a um grupo é muito importante! Mas ao mesmo tempo as pessoas deprimidas têm crenças e mitos sobre o conhecer pessoas, como acreditar que é difícil conhecer pessoas ou abordar estranhos. Na verdade, podemos tentar falar com qualquer pessoa, fazer muitas coisas sozinho, usar a internet para conhecer e fazer parte de um grupo de caminhadas (ou outro qualquer).
Existe o estigma de que só os ‘fracos’ e mimados é que ficam depressivos e de que só atinge as mulheres. É um mito?
Este estigma é injusto, incorreto e o resultado da ignorância sobre o tema e pode causar mais culpa para quem a sofre. O termo “fraco” não tem qualquer sentido e pode levar as pessoas a esconder a depressão, adiando a ajuda dos outros. A depressão aparece muitas vezes de forma lenta e despercebida, afeta todo o tipo de pessoas, de qualquer etnia ou género, ou de qualquer grau de realização, beleza ou fama e ninguém a escolheu ter voluntariamente.
É comum serem feitos comentários do género: «Ela/ele não está com depressão, diz isso só para se fazer de coitadinha/o e chamar à atenção. Ainda no outro dia a/o vi no café à conversa». O que se pode dizer relativamente a este tipo de análises de foro popular?
Não devemos rotular as pessoas ou julgarmos com base nos nossos próprios preconceitos. Estar deprimido não impede que alguém converse e saia à rua, além de que muitas pessoas disfarçam sobre o que estão a sentir.
É possível ultrapassar-se uma depressão sem ajuda profissional?
É possível, mas pode ser mais demorado e com maior sofrimento.
Existe uma faixa etária mais propensa a passar por esta situação?
Alguns estudos apontam a faixa etária dos 45-64 anos como mais propensa à depressão.
A depressão na gravidez e no pós-parto é um pouco desvalorizada. Que perigos podem daqui decorrer?
Existem os mesmos riscos da depressão clínica, de uma forma geral. As diferenças têm a ver com pensamentos negativos sobre a criança ou sobre capacidade de educar, entre outros.
Que tipo de consequências podem ocorrer a curto e/ou longo prazo devido à depressão?
Causar problemas no trabalho, como absentismo e menor produtividade, menos capacidade de pensar e agir, ser mais inativo e fumar, levar a conflitos interpessoais ou a comportamentos de risco ou agravar e provocar doenças. No limite pode levar ao suicídio.
Para curar uma depressão é preciso tomar antidepressivos?
Depende dos casos, pois cada pessoa tem fatores e características específicas. Há casos em que antidepressivos são essenciais, quando há razões biológicas, e noutras vezes a psicoterapia terá maior utilidade, quando as causas são relacionais, ambientais e por isso pela maneira como se está a pensar negativamente.
O que fazer no caso de ter um amigo ou familiar depressivo? E o que não se deve fazer?
Mostrar que está disponível para estar com a pessoa, para ouvi-la e dar-lhe apoio e motivação para fazer atividades de prazer. Convidá-la para passear ou outras atividades energizantes e divertidas, como jogos ou dançar.
Fazer perguntas neutras e abertas como “quando é começaste a sentir assim” ou “como é que te posso ajudar neste momento?” e mostrar apoio como “não estás sozinho (a), estou aqui para te ajudar”. Faça um elogio sincero ou repare em algo de positivo.
Não criticar, julgar ou desvalorizar o sofrimento. A depressão é uma situação séria e nunca se deve dizer “ é da tua cabeça” ou “tens tantas coisas boas” pois piora o sentimento de culpa e tristeza. Todavia, deve definir fronteiras neste papel pois não será o terapeuta dessa pessoa.
Que conselhos pode dar a alguém que esteja a passar por uma depressão?
É possível fazer mudanças lentas e graduais e que se podem aprender novas atitudes/ hábitos. Antes de mais, aprender a melhorar as relações sociais e as amizades, envolver-se com pessoas positivas e fazer exercício físico regularmente, ter um sono regular, alimentar-se de forma saudável, criar o hábito de ocupar o tempo com atividades de lazer e produtivas e aprender técnicas de relaxamento. Dar informação de qualidade sobre a depressão, como um bom livro de auto ajuda (ex: Feeling good, de David Burns) ou um manual escrito por um especialista em saúde mental. (ex: Vença a depressão, de Robert Leahy) e encorajá-lo a procurar um especialista como psicólogo ou psiquiatra.
Mas diria que o mais importante é aprender a mudar a maneira de pensar. Reconhecer que pensamentos não são factos e que todos temos pensamentos disparatados. Com humor negativo, os padrões de pensamento mais negativos são:
– Catastrofização: pensar apenas no pior que pode vir a acontecer, sem ter em consideração outros desfechos possíveis. Acreditar que o que pode acontecer é insuportável, em vez de ver os acontecimentos em perspetiva.
– Filtro mental: focar-se apenas em acontecimentos negativos e desvalorizar ou ignorar os positivos. Ex. Focar-se numa crítica que recebeu e ignorar e esquecer qualquer elogio. Centrar o pensamento numa pessoa com quem se zangou e esquecer ou desvalorizar os amigos que tem. Dar uma atenção desproporcional às situações negativas de vida.
– Leitura mental: acreditar que sabe o que as pessoas pensam, como se estivesse a ler os pensamentos dos outros. Ex. Noto que todas as pessoas pensam mal de mim.
– Desesperança: acreditar que nada funciona ou vai funcionar. Aprender a ultrapassar a perda de esperança e pessimismo. Aprender a focar o pensamento no que é útil, eficaz, produtivo e prazeiroso.
– Rotulação: acreditar que é um perdedor, sem valor. Nesta situação pretende-se gerir a auto- critica e reduzir a ruminação dos pensamentos de que fez algo de errado ou que há algo de errado consigo. Ninguém é 100% errado ou 100% perfeito. Todos estamos neste continuum de aprendizagem e imperfeição.
– Perfecionismo, não suportar cometer erros. Aprender a separar a auto- estima do comportamento. O nosso valor não se mede pelo número de erros ou sucessos que atingimos! O valor humano é único e imutável.
– Desmotivação. Não ter energia para fazer nada. Deve-se trabalhar a motivação em consulta e como se pode aumentar gradualmente a energia e o sentimento de estar a fazer algo produtivo.
– Ruminação. Estar constantemente a ruminar sobre o passado, sobre erros ou situações mal- sucedidas. Neste ponto trabalha-se em consulta formas de aceitação de emoções e pensamentos inúteis (até que se evaporem!) e de focar o pensamento em atitudes úteis.
Têm saído alguns estudos que relacionam problemas no intestino com a depressão, e que a ingestão de alimentos benéficos ao intestino ajuda também nesta sintomatologia. Qual a sua opinião?
Uma alimentação saudável é um fator que ajuda a manter um humor positivo, pelo que fará o seu contributo.
Outra carência que promove a depressão é a falta de vitamina D. De facto, apanhar pouco sol pode deixar-nos deprimidos?
Algumas pessoas mostram-se mais sensíveis à falta de luz solar e alguns estudos sugerem que a luz interfere com a produção de serotonina, pelo que poderá ser um fator.
Também surgiram evidencias que técnicas como meditação ou mindfulness podem ajudar nestes casos. Como se processa?
O mindfulness pode ser como um complemento na terapia cognitiva, pois não muda o conteúdo do pensamento, mas ajuda a pessoa a focar-se num momento de aceitação plena, a viver o presente e a separar-se do pensamento e da emoção, permitindo-se relaxar e diminuir a ruminação negativa. Como nesse estado se pretende evitar julgamentos sobre o pensamento, pois está focada na respiração, pode contribuir para a auto- compaixão e melhor o humor.
Umas últimas palavras acerca do tema…
A depressão pode-se ultrapassar com algum tempo e persistência. Quando mudamos os pensamentos depressivos, simultaneamente mudamos o humor, o comportamento e (provavelmente) a bioquímica. Uma “cognição” refere-se à forma como olhamos as coisas – é a forma como interpretamos o mundo. Nós sentimo-nos mais tristes ou mais felizes em função do que estamos a pensar num determinado momento. As pessoas deprimidas tendem a distorcer a realidade, vendo o mundo de uma forma peculiar. A terapia cognitiva ajuda a reconhecer e a modificar os padrões de pensamento distorcidos, automáticos e irrealistas e substituir estas formas de pensamento por outras mais realistas e adaptadas à realidade.
PARA MAIS INFORMAÇÕES, VER TAMBÉM:
Última Actualização: 17-abr-2020