Efeitos psicológicos do preconceito contra gays, lésbicas e bissexuais
Este artigo pretende abordar as consequências do preconceito social contra pessoas LGB. Todos estamos mergulhados num “caldo cultural”, onde sentimos e pensamos em relação às pessoas e acontecimentos, de forma preconcebida, ou com um certo preconceito. Todavia, algumas pessoas, poderão ser alvo de uma atitude favorável ou desfavorável, apenas pelo facto de serem percebidas como pertencentes a um grupo particular.
O preconceito pode assumir muitas formas – preconceito étnico e religioso, racismo, nacionalismo, sexismo, classismo e preconceito contra pessoas com base na orientação sexual. Também ocorre em todas as sociedades do mundo, incluindo países desenvolvidos ocidentais e países em vias de desenvolvimento.
Por causa da ampla gama e de muitos tipos de preconceito, as consequências dele são altamente variadas e difundidas em todo o mundo. Os eventos atuais no início do século XXI mostraram que os efeitos mortais do preconceito no novo século não são menos dramáticos do que nos séculos passados.
Por exemplo, em relação às variáveis sexo e género, poderíamos pensar num grupo de homens e noutro de mulheres. Imaginemos que existia uma oferta de emprego de motorista de autocarro, e que decorreu um processo de selecção, mas só foram seleccionados homens. Imaginemos que quem seleccionou os motoristas acreditava que só os homens é que seriam capazes e competentes para uma boa condução dos veículos, e baseado neste preconceito, não deu sequer oportunidades às mulheres para comparecerem a uma entrevista.
A crença do “seleccionador” teve por base um preconceito sexual, porque as mulheres foram avaliadas, a priori, apenas por serem “mulheres” e não pelas características individuais, independentemente do sexo/ género. Até há poucos anos, esta poderia ser uma crença geralmente aceite como verdadeira, mas hoje encontramos mulheres a conduzir veículos pesados de forma tão competente quanto os homens.
Assim, o preconceito pode ser definido como “atitude favorável ou desfavorável em relação a membros de algum grupo baseada sobretudo no facto da pertença a esse grupo e não necessariamente em características particulares de membros individuais” (Neto, 1998).
Muitos tipos de grupos podem ser alvos de preconceitos e por isso, existem várias categorias de preconceito e discriminação. O racismo é o tipo de preconceito mais frequente, logo seguido pelo sexismo, como vimos no exemplo anterior, (discriminação baseada no género) e pelo idadismo (discriminação baseada na idade).
Uma das razões que estará na origem do preconceito e discriminação, será o estereótipo, que será um conjunto de crenças sobre os atributos pessoais de um grupo de pessoas ou seja, são as características que um indivíduo atribui aos membros de um grupo social. Frequentemente, o estereótipo é uma generalização e uma ideia excessivamente simplificada e errónea de uma categoria de pessoas.
A categoria de preconceito associada à orientação sexual chama-se heterossexismo, que é um conjunto de crenças culturais, muito difundidas, e de valores, que define a heterossexualidade como a única forma válida de expressão sexual e estigmatiza e critica todas as formas não heterossexuais de comportamento (Herek, 1990). Todavia, as ciências sociais e humanas e a própria medicina, desde há décadas que concluíram que não existem diferenças psicológicas nos indivíduos em função da sua orientação sexual e que “a diferença básica entre homossexuais e as outras pessoas é apenas o seu comportamento sexual” (Dannecker, 1981). Esta conclusão da ciência culminou com a retirada da homossexualidade da lista de transtornos mentais da Associação Americana de Psiquiatria, em 1973.
Ainda assim, é frequente a referência de um conjunto de estereótipos em relação a homens homossexuais como a promiscuidade sexual, a emocionalidade, gostarem de arte e de música, de serem femininos e de serem criativos e complicados e também a referência de estereótipos em relação a mulheres lésbicas: serem “masculinas”, terem cabelo curto e serem negativas com os homens. A própria psicologia e especialmente o modelo psicanalítico, serviu para perpetuar uma concepção da homossexualidade como algo de patológico (p. exemplo como resultado de uma dinâmica familiar desadequada- pai ausente, mãe hiperprotectora; como sintoma de uma personalidade narcísica, etc). Na realidade nunca se encontrou evidência científica para isto e os estudos indicam que os antecedentes de hetero e homossexuais são os mesmos.
Outro problema actual é uma possível interpretação da homossexualidade como algo de patológico , por alguns técnicos (psiquiatras e psicólogos), que conduzem ” a terapias desajustadas e a enviesamentos na avaliação dos clientes” (Moita, 2001). Esta leitura patológica da homossexualidade é obsoleta há décadas, mas foi encontrada no discurso de técnicos portugueses, sendo “configurada como um défice”, para além de alguns clínicos terem mesmo construído uma categorização da homossexualidade, “preenchida por um discurso preconceituoso” (Moita, 2001). Esta situação é paradoxal porque em vez de estas pessoas conseguirem um maior bem estar com a terapia, podem ainda ficar com mais crenças negativas, e sentirem-se pior, devido a um “psi” preconceituoso. Por isso é fundamental recorrer a um técnico que aceite incondicionalmente as diversas orientações.
A homofobia será uma manifestação mais activa e severa do preconceito. Pode ser definida como medo ou desprezo pelos homossexuais e uma repulsa face às relações afectivas entre pessoas do mesmo sexo e/ ou ódio generalizado aos homossexuais. Em 1976, Lehne (re) define homofobia como “um medo irracional ou intolerância relativamente à homossexualidade”. Como a homofobia é um medo exagerado e infundado face à situação temida, muitas pessoas homofóbicas imaginam, por exemplo, que há um lobbie gay interessado em fazer “propaganda” ou influenciar a orientação sexual. Ou interpretar qualquer visibilidade LGBTQ+ como propaganda, como um arco-íris num livro. Interpretam a visibilidade LGBT como uma “ofensa”. O termo “Ideologia de Gênero” é um mito e um significante vazio, mas que permite que uma gama diversificada de atores religiosos e de extrema-direita se unam para combater a igualdade das mulheres, a educação sexual e os direitos das pessoas LGBTI+, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Na realidade, a educação sexual é neutra: apenas esclarece sobre identidade e género; não há imposições; os países mais felizes do mundo protegem os seus cidadãos LGBT+: onde existe respeito por todos e pelos direitos humanos de uma forma geral, há uma cultura de entreajuda, segurança, que melhora satisfação com a vida. Quando as minorias são discriminadas, também o resto da sociedade tende a ser mais infeliz. Os países mais infelizes do mundo tendem a não respeitar direitos humanos.
Algumas pessoas podem acreditar que não há necessidade do Orgulho Gay quando não há manifestações do orgulho heterossexual. Isso ignora o fato de que um grupo é marginalizado e reprimido e luta por reconhecimento e direitos humanos fundamentais. Mas na realidade as diferentes identidades têm o direito à sua expressão natural. E não é possível influenciar nem mudar a orientação sexual. As pessoas homossexuais sempre existiram em todas as culturas e épocas históricas.
Poderíamos enumerar um conjunto de situações que, não raramente, são experiênciadas pelas minorias sexuais: perda de emprego, perda de custódia de crianças, ser discriminado, sofrer violência física, esconder a orientação sexual no trabalho ou mesmo ouvir piadas anti- homossexuais. Mas a discriminação e o experienciar tratamentos negativos da sociedade relaciona-se com um maior número de problemas psicológicos (Meyer, 1995). Não é de estranhar que crescer numa cultura que frequentemente transmite mitos e estereótipos, por vezes muitos negativos, eles sejam assimilados por todos nós, e internalizados pelos homossexuais, chocando com a sua identidade. Isto pode corromper fortemente o sentido de valor pessoal e de auto- estima (“vou beber para esquecer, “não interesso a ninguém”, “eu não presto enquanto homossexual”). Estas atitudes e sentimentos negativos, internalizados no homossexual, estão relacionados com depressão, ansiedade, alcoolismo, abuso de substâncias, distúrbios alimentares, ideias suicidas e suicídio. Todavia, muitos gays e lésbicas têm vidas extremamente felizes, saudáveis e produtivas (Bradford, Ryan & Rothblum, 1994)
Alguns autores falam no “stress das minorias” (Virgínia Brooks, 1981), como resultado da estigmatização. A causa inicial deste stress é uma atribuição cultural de status inferior a grupos particulares. Esta atribuição de “imperfeição” ou “defeito” pode dirigir-se a várias categorias de pessoas, especialmente categorias baseadas no sexo, raça e orientação sexual, podendo originar acontecimentos negativos na vida do membro minoritário.
Consequentemente, se a cultura transmite a ideia de que só a heterossexualidade é válida e “normal”, e reprime, discrimina e nega outras possibilidades não heterossexuais, não é de admirar que alguns homossexuais tenham sentimentos de exclusão, isolamento e solidão que frequentemente conduzem à ansiedade e depressão. Neste contexto cultural, será mais difícil desenvolver um auto- conceito positivo e é frequente a vivência de um conflito entre a pressão social para a heterossexualidade e a motivação homossexual. Mas, gays e lésbicas, em média, não diferem dos heterossexuais em ajustamento psicológico (Gonsiorek, 1991).
Provavelmente, a consequência mais negativa do preconceito social será a Homofobia Internalizada, que é a internalização, pelo próprio homossexual, das atitudes negativas da sociedade e a incorporação de sentimentos negativos na sua auto- imagem, no que resultará uma hostilidade face à sua orientação sexual (Herek, 1996). Outros grupos sociais poderão também interiorizar preconceitos em relação ao seu grupo social, como os negros e as mulheres.
Potencialmente, este stress pode provocar prejuízos na saúde sobre os membros da minoria sexual, mas nem todos os membros podem sentir estas consequências.
Apesar da homofobia, lésbicas e gays não diferem dos heterossexuais na adaptação psicológica (Gonsiorek, 1991), havendo mesmo muitas situações em que é vantajoso uma orientação sexual homossexual. A diferença é que, enquanto algumas pessoas aprendem a lidar com sucesso sobre este stress, outras têm mais dificuldade. Determinando quais são os factores relacionados com as repercussões positvas e negativas para a saúde, isto pode sugerir direcções futuras para intervenções psicológicas com gays, lésbicas e bissexuais que têm dificuldade em lidar com o seu “status” minoritário.
A avaliação / investigação deste stress tem sido operacionalizada de duas formas: avaliação do número de acontecimentos de vida negativos e de preocupações/ conflitos no dia-a-dia. Quanto maior for o número de acontecimentos negativos/ preocupações, maiores serão as hipóteses de depressão, dores de cabeça crónicas, humor negativo, etc.
No contexto da vida das minorias sexuais, ao experienciarem homofobia e estigmatização, e eventos negativos relacionados com a sua orientação sexual (perda de emprego, casa, custódia de crianças, violência ou discriminação), bem como situações perturbadoras no dia-a-dia (ex: piadas anti-homossexuais), poderão ficar propensos a uma maior número de situações stressoras.
Como ultrapassar a Homofobia
A homofobia têm origem em crenças sem fundamento. Muitas pessoas aprenderam através da religião que a homossexualidade é um pecado ou que é imoral. Outras pessoas são homofóbicas porque não aceitam a sua própria homossexualidade, vivendo um terrível conflito entre a sua orientação e a repressão da mesma. Depois há uma diversidade de factores, como a educação, etnia ou filiação partidária, que podem condicionar a homofobia. De seguida, alguns argumentos lógicos para desafiar crenças homofóbicas:
Crença Homofóbica: o casamento deve ser apenas entre um homem e uma mulher
Alternativa lógica: Durante toda a história, os modelos de organização familiar evoluiram e transformaram-se. Isto é apenas uma tradição e nada mais. Um valor mais elevado é que o casamento deve unir duas pessoas que estão apaixonadas. A religião prmoveu muitas tradições que hoje estão ultrapassadas (como a escravidão).
Crença Homofóbica: há um lobbie gay, que promove a ideologia de género
Alternativa lógica: Ninguém consegue influenciar ou modificar a orientação sexual. Ela é quase sempre algo que nasce com os indivíduos, como a cor da pele ou dos olhos. Não há “propaganda” possível para transformar uma motivação que não se escolhe. Curiosamente, muitas pessoas que acreditam na ideologia de género, criticam e estigmatizam tudo o que não é a família tradicional heterossexual e querem proibir qualquer referência LGBT. Nunca as terapias de conversão sexual (que são altamente nefastas) conseguiram modificar a orientação sexual. Quase todos os indivíduos estão expostos apenas a modelos heterossexuais de relações, e ainda assim, sempre existiu uma minoria sexual.
Crença Homofóbica: Os homossexuais não podem ter filhos, pelo que têm menos valor social
Alternativa lógica: Muitos heterossexuais também decidem não ter filhos e não perdem valor por isso. Muitos casais heterossexuais não podem ter filhos por problemas de fertilidade. O amor é o que legitima e valida as relações no mundo atual, não a capacidade de procriação.
Se se sente vítima de homofobia, considere procurar um grupo de apoio ou associação. Há pessoas que o (a) aceitam e que o (a) ajudarão a ganhar confiança em si mesmo.
Fernando Lima Magalhães
(Parte do texto foi apresentado na I Jornada Nortenha de Sexualidade Humana, em 14 de Dezembro de 2006, Porto )
Bibliografia Consultada (básica):
Bradford, J., Ryan, C., & Rothblum, E.D. (1994). National lesbian health care survey: Implications for mental health care. Journal of Consulting Clinical Psychology, 62, 228-242.
D’Augelli, A. (1998). Developmental implications of victimization of lesbian, gay, and bisexual youth. In G. Herek (Ed.), Psychological perspectives on lesbian and gay issues: Vol. 4. Stigma and sexual orientation (pp. 187-210). Thousand Oaks, CA: Sage Publications.
https://www.europarl.europa.eu/thinktank/en/document/EXPO_BRI(2021)653644 – Disinformation campaigns about LGBTI+ people in the EU and foreign influence.
Gonsiorek, J.C. & Wenrich, J.D. (1991). The definition and scope of sexual orientation. In J.C. Gonsiorek and J.D. Weinrich (Eds.), Homosexuality: Research implications for public policy. (pp.1-12). Newbury Park, CA: Sage.
Herek, G. M. (1998). Stigma and sexual orientation: Understanding prejudice against lesbians, gay men, and bisexuals. Thousand Oaks, CA: Sage Publications.
Moita, Maria Gabriela (2001), Discursos sobre a Homossexualidade no Contexto Clínico: A Homossexualidade de Dois Lados do Espelho. Dissertação de doutoramento: Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto.
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PARA MAIS INFORMAÇÕES, VER TAMBÉM:
- A Orientação Sexual
- McLeod, S. A. (2008). Prejudice and discrimination. Retrieved from https://www.simplypsychology.org/prejudice.html
- Associação Americana de Psicologia- Orientação sexual e Homossexualidade
- https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/guidelines_opp_lgbt_marco_2017.pdf